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Como vender a casa e continuar a viver nela até ao fim da vida

A casa própria continua a ser – para a esmagadora maioria dos portugueses – a maior poupança acumulada ao longo da vida. Mas essa poupança está “presa” em tijolos. E quando chega a idade da reforma, muitos idosos vivem com pensões demasiado baixas para acompanhar o aumento do custo de vida. É a realidade de centenas de milhares de famílias: têm património, mas não têm dinheiro. E vender a casa não é opção, porque simplesmente não teriam para onde ir.

Existe uma alternativa legal, antiga e muitas vezes desconhecida: vender o imóvel e manter o direito de viver nele até ao fim da vida. É a chamada venda de imóvel com reserva de usufruto. E pode ser a diferença entre sobreviver e viver com dignidade. É o tema da reportagem desta semana do Contas-poupança, no Jornal da Noite, na SIC.

Pedro Andersson

Vender a casa com usufruto: quando a casa pode garantir uma reforma mais tranquila

A lei portuguesa permite que a propriedade de um imóvel e o direito de viver nele sejam separados. O proprietário (“nu-proprietário”) compra a casa, mas o antigo dono mantém o usufruto vitalício: continua a viver ali, sem limite de tempo, sem renda e com total proteção jurídica.

O regime está previsto no Código Civil, artigos 1439.º a 1485.º, que definem o usufruto e os direitos e deveres de usufrutuários e proprietários.
Para quem quiser confirmar: Código Civil – Usufruto (arts. 1439.º a 1485.º): https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/codigo-civil

Porque é que esta solução pode ser útil?

Portugal tem 2,5 milhões de idosos. Nas grandes cidades, cerca de 30% das casas pertencem a pessoas já reformadas. Muitas destas casas valorizaram muito nos últimos anos, mas esse valor não entra no orçamento mensal.

A venda com usufruto pode servir para:

  • complementar uma pensão baixa;
  • financiar cuidados de saúde;
  • ajudar filhos ou netos;
  • pagar um cuidador;
  • viajar e aproveitar os anos que ainda têm qualidade de vida;
  • simplesmente viver com menos ansiedade sobre o futuro.

Na reportagem desta semana, entrevistei Pedro Cruz, CEO da Empathia – uma empresa especializada neste mercado – sobre como funciona este negócio que pode ser vantajoso para todas as partes e que pode trazer alguma dignidade à vida de muitos idosos.

Quem compra estas casas?

O comprador típico é um investidor privado ou um grupo empresarial com capacidade financeira e paciência para esperar muitos anos até ter acesso ao imóvel. Para estes investidores, é um ativo a longo prazo; para o idoso, é liquidez imediata com proteção vitalícia.

Mas atenção: qualquer mediadora ou qualquer comprador particular pode fazer um negócio deste tipo, desde que cumpra a lei e registe corretamente o usufruto.

Existem já empresas especializadas (Empathia, Buy4Rent, Viager Portugal, etc.), mas nada impede que o negócio seja feito diretamente – o importante é estar acompanhado por advogado e notário e garantir que tudo fica registado na escritura e na conservatória.

O preço da casa baixa? Sim — e é suposto baixar

É preciso ser realista: quem compra um imóvel sobre o qual não pode entrar durante décadas tem de ser compensado.

Por regra, o valor de venda baixa 20% a 50% face ao preço normal de mercado. Não é desconto: é o custo do direito a permanecer na casa até ao fim dos seus dias.

O caso mostrado na reportagem é típico:

  • valor de mercado de um T2: 430.000 €
  • valor de venda com usufruto: 260.000 €
  • redução: 40%

O casal em causa ficou com dinheiro suficiente para viver com conforto, sem mexer no local onde vivem há muitos anos.

E o IRS? Há cuidados a ter

Atenção que a venda da casa pode gerar mais-valias. As regras são as normais:

  • se a casa foi habitação própria e permanente e comprada antes de 1989, não há imposto;
  • se foi comprada depois e houver mais-valias, podem ser tributadas;
  • se o vendedor tiver mais de 65 anos e reinvestir num Fundo de Pensões (até 6 meses após a venda) destinado à reforma, fica isento de IRS.

No exemplo do casal: com 70 anos, se colocassem os 260 mil euros num Fundo de Pensões, podiam levantar cerca de 1.444 € por mês durante 15 anos, sem pagar IRS sobre a mais-valia inicial.

O que deve ser garantido na escritura?

Para que não haja dúvidas e para que o idoso fique totalmente protegido, a escritura deve incluir:

  1. Reserva de usufruto vitalício – é o ponto essencial.
  2. Impossibilidade de despejo enquanto o usufruto existir.
  3. Indicação clara de quem paga:
    • IMI
    • obras estruturais
    • manutenção corrente
  4. Possibilidade de o usufrutuário pedir pequenas obras antes da venda (grades, ar condicionado, casa de banho adaptada, elevadores, etc.).
  5. Registo imediato na Conservatória do Registo Predial.

Quanto pode receber por mês?

Tudo depende da idade e do valor da casa. Quanto mais idade, mais alto tende a ser o valor pago, porque o usufruto é, na prática, mais curto.

Uma conta simples:

  • casa vendida por 250.000 €
  • colocados num produto com rendimento moderado (3%/ano)
  • retirando 1.300 €/mês
  • o dinheiro duraria cerca de 18 anos.

Esta é a lógica: transformar pedra, cimento e tijolos em rendimento mensal.

Vantagens e desvantagens

Vantagens

  • continua na sua casa até ao último dia;
  • recebe o capital de imediato;
  • aumenta o rendimento mensal;
  • pode pagar cuidados de saúde ou apoio domiciliário;
  • pode adaptar a casa às suas necessidades;
  • deixa de ter despesas de proprietário, caso assim fique acordado (o habitual é continuar a pagar todas as despesas e impostos).

Riscos e cuidados

  • o valor de venda é sempre mais baixo;
  • é essencial ter aconselhamento jurídico;
  • deve comparar propostas de várias entidades;
  • desconfie de promessas “rápidas demais”;
  • leia tudo antes de assinar ou registar.

Não é para todos, mas é uma alternativa importante

A venda com usufruto não deve ser tabu. Para muitas famílias, é a única forma de transformar um património valioso num rendimento que garanta dignidade no final da vida.

A chave é fazer tudo com informação, calma e transparência. Pesquise, compare, consulte um advogado e fale com a família. A casa continua a ser sua – não no papel, mas no que realmente importa: continua a ser o seu lar.

Se quiser explorar o tema, procure no Google “venda de habitação com usufruto”. Vai encontrar vários operadores e muitos exemplos. Mas lembre-se: a decisão é sempre sua. Negocie como em qualquer outra venda. Veja se esta é uma boa solução para si, ou para um familiar ou para alguém que conhece.


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