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Cuidado com a reduflação – O que é isso?

Cuidado com a reduflação – O que é isso? A inflação está a valores que não víamos há muitas décadas. Ou seja, está tudo cada vez mais caro e o dinheiro deixa de chegar para tudo. Isso já sabemos e já lhe dei dicas AQUI para o ajudar a combater a inflação. Mas aquilo de […]

Cuidado com a reduflação – O que é isso?

A inflação está a valores que não víamos há muitas décadas. Ou seja, está tudo cada vez mais caro e o dinheiro deixa de chegar para tudo. Isso já sabemos e já lhe dei dicas AQUI para o ajudar a combater a inflação.

Mas aquilo de que lhe quero falar agora é da reduflação. De uma forma simples é a mistura de “redução” com “inflação”. É a tradução literal de “Shrinkflation”, em inglês.

Na prática, é uma estratégia de marketing a que tem de estar muito atento se não quiser ser (ainda) mais prejudicado com a inflação. Trata-se da estratégia de algumas empresas que disfarçam o aumento dos preços vendendo menos produto pelo mesmo valor.

Mas isso tem alguma coisa de ilegal? Não. Posso apresentar queixa no Livro de Reclamações se me aperceber que uma empresa está a fazer isso? Pode, mas não vai servir de nada porque você não tem razão (legal). Desde que a empresa informe exatamente a quantidade de produto que está a vender está tudo bem. Não tem nada de falso nem enganador. Seria diferente se o pacote ou embalagem dissesse que tem 1 litro e depois de medido, afinal só tinha 0,9 litros. Não é disso que estamos a falar.

Estamos a falar de, por exemplo, iogurtes líquidos que antes tinham 160 ml e que baixam agora para 140 ml e que continuam a custar exatamente o mesmo ou até mais.

Não é nada novo.  Assisti a isto durante as anteriores crises económicas em Portugal. É o consumidor que tem de estar atento a esta prática, legal, mas que podemos considerar pouco ética e pouco transparente.

Como lhe disse, é verdade que não tem razão legal para reclamar, mas isso não o deve impedir de contactar as marcas para manifestar o seu desagrado. Fotografe os rótulos agora e se notar que alguém está a usar esta prática, fotografe novamente e torne pública essa informação específica. Mais uma vez, não é nada ilegal. A informação é que tem de ser o mais clara possível junto dos consumidores para fazerem as melhores escolhas possíveis. Temos de ter espírito crítico enquanto clientes.

De acordo com a LUSA, embora ainda não sejam conhecidos casos em Portugal, em Espanha têm sido detectadas situações de reduflação sobretudo nos setores da cosmética e perfumaria, mas também no setor dos alimentos, com um diferencial mínimo de 5% a 10% a menos no tamanho ou quantidade, mantendo – ou, em alguns casos, até subindo – o preço.

Outro exemplo são as embalagens com postas de peixe congeladas (que até podem ser opacas) que antes traziam 7 ou 8 postas e que agora pelo mesmo preço podem trazer só 5 ou 6. Pelo mesmo preço ou um pouco menor mas com o preço por quilo muito mais alto.

Fui ontem ao hipermercado e embora não tenha encontrado casos claros de reduflação encontrei algumas situações que mostram bem de que situações estamos a falar.

Há muitos anos que acompanho o preço da manteiga. Aliás, tento ter de cabeça os preços normais de praticamente tudo o que compro habitualmente. Assim sei sempre se uma promoção é boa ou não.

Durante muito tempo, um pacote de manteiga de 250 gramas foi vendido por 1,19 €. Com o aumento da inflação (ainda antes da guerra) começou a subir para 1,40 €, depois 1,50€, 1,60€ e atualmente chega a estar perto dos 2€.

De repente, começaram a surgir embalagens de 125 gramas (metade da embalagem “normal” (ignorem a marca, porque podia ter sido outra qualquer). Tem aqui a foto das duas embalagens.

Na primeira foto tem a embalagem normal de 250 gramas a custar 1,97€ (7,88€/Kg) e, na segunda foto, a embalagem reduzida com metade do peso, mas a custar 1,24 € (9,92/Kg). 

Um consumidor distraído, na ânsia de poupar, poderia escolher a embalagem mais pequena por ser mais barata, quando na realidade está a pagar mais 2,04 €/kg. É só uma questão de tempo até ter de comprar outra embalagem. A embalagem com metade do produto custa mais 26% do que a embalagem normal!

Vamos a outro exemplo. Muitas empresas começaram propositadamente a ignorar a medida clássica de 1 litro para que os consumidores percam a noção da medida com a relação direta ao preço. Estive a estudar as várias opções de medidas em garrafas de um conhecido detergente para a loiça.

Prestem atenção a estas fotos de um detergente da mesma marca.

As primeiras 3 embalagens são exatamente iguais, mas cada uma delas tem uma quantidade diferente e nenhuma com valores “certos” que permitam fazer contas rápidas de cabeça.

As restantes 3 embalagens cada uma tem o seu tamanho, mas igualmente com medidas muito pouco utilizadas no nosso dia a dia.

Por exemplo, neste caso de exatamente o mesmo produto (o Ultra Poder) uma embalagem é de 600 ml e a outra é de 1,015 l. Mas o preço por litro é muito diferente: a maior é de 4,99 €/litro e a mais pequena é vendida a 5,32 €/litro. Se comprar a pequena, leva menos produto e mais caro.

Este é o alerta que lhe quero deixar. Esteja sempre atento ao preço por litro, quilo, dose, etc. É a única maneira de você proteger a sua carteira quando comparar o preço de produtos e marcas diferentes. Não compare o preço das embalagens, porque já há muito tempo que deixamos de saber que quantidade tem cada embalagem. Como vê, até dentro da mesma marca as quantidades são diferentes. Isso permite-lhe “brincar” com os preços e com as armadilhas mentais que a nossa mente nos prega. Se algum produto lhe parecer barato, olhe duas vezes para o preço por quilo ou litro. Provavelmente aquela promoção não é o que parece.

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Mexer nas quantidades, para não mexer no preço

Os exemplos anteriores não são exatamente a tal reduflação gritante (nestes casos a redução da quantidade é mais subtil do que metade), mas para lá caminham. Confrontadas com uma forte pressão sobre os custos na cadeia de valor – na sequência do efeito conjugado da pandemia, dos constrangimentos logísticos, da subida dos preços da energia e das matérias-primas e, mais recentemente, da guerra na Ucrânia – os fabricantes podem optar por manter o preço final de venda dos produtos, ao qual o consumidor está mais atento, mas reduzindo a quantidade contida na embalagem.

A DECO alertou recentemente para este problema e deu mais alguns exemplos a que deve estar atento. De uma forma quase imperceptível para o consumidor, a tablete de chocolate que tradicionalmente tinha 150 gramas pode passar a conter 125 gramas, a caixa de fósforos que antes continha 100 unidades passa a ter 80, a embalagem de açúcar reduz de um quilograma para 800 gramas ou o pacote passa a ter menos bolachas.

E, desde que a quantidade presente na embalagem seja a que, de facto, está indicada na rotulagem do produto, esta prática não pode ser considerada fraude. 

Rui Rosa Dias, um professor entrevistado pela LUSA, recorda que em 1987, a companhia aérea American Airlines conseguiu uma poupança de 40 mil dólares (perto de 38 mil euros) anuais apenas removendo uma azeitona em cada salada servida aos passageiros da classe executiva.

No Brasil, os fabricantes são obrigados a comunicar as alterações no rótulo do produto, informando a quantidade de produto diminuída (em termos absolutos e percentuais), num local de fácil visualização e com caracteres bem visíveis, de forma que o consumidor possa perceber a alteração e não seja induzido em erro.

Em Portugal não há legislação sobre esta prática.

Paulo Fonseca, da DECO, explica que “Os consumidores relatam que, por exemplo, por 15 euros compravam sete postas de pescada e agora, pelo mesmo preço, só compram cinco postas. Ou seja, há duas postas que já não constam da embalagem”, afirmou.

O jurista defende que, das duas uma: ou a informação de que são cinco postas em vez de sete consta do produto, porque é obrigatório constar a indicação de todos os componentes, não sendo uma prática proibida, ou está-se perante uma situação em que “a informação é enganosa”, tratando-se de uma prática comercial desleal cuja fiscalização compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Paulo Fonseca destaca que o problema que preocupa a Deco são os consumidores que compram de forma rotineira e não reparam na mudança de rotulagem do produto, cuja leitura diz ser às vezes difícil, considerando que “muitas vezes só um consumidor extremamente atento é que consegue” detectar a mudança.

Portanto, como já percebeu, para além de ter de se proteger da inflação ainda tem de estar atento à reduflação. Parece que está tudo contra nós. Mas se já acompanha o “Contas-poupança” há alguns anos já sabe que controlar as nossas finanças está sobretudo nas nossas mãos, na nossa capacidade de comparação, de escolha e de informação. Nós só compramos o que queremos e ao preço que aceitamos pagar. Fazer escolhas inteligentes exige esforço e atenção. Ou temos esse cuidado, ou estamos a perder dinheiro que nos vai fazer falta para outras coisas mais importantes.


 

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