Como investir para os filhos sem pagar impostos desnecessários
Com o aumento da literacia financeira, há cada vez mais portugueses a perceber como funcionam os investimentos e a planear o futuro com estratégias claras e bem definidas. Muitos pais começaram a preparar a reforma dos filhos logo após o nascimento, apostando em investimentos um pouco mais arriscados e com maior potencial de rendimento.
Tem aqui a reportagem em vídeo:
Mas surge sempre a mesma dúvida: os investimentos devem ser feitos no nome dos filhos ou no dos pais? A resposta pode fazer toda a diferença – e pode evitar perder milhares de euros em impostos.
Quanto pode render começar a investir desde o nascimento
Todos os pais querem o melhor para os filhos. E isso, na prática, costuma traduzir-se em juntar dinheiro para a universidade, a entrada de uma casa ou o início da vida adulta.
Há quem escolha uma conta-poupança que quase não rende nada, quem opte por certificados de aforro ou, cada vez mais, quem procure investir em produtos com potencial de valorização, como PPRs, fundos de investimento ou ETFs.
Vamos fazer algumas contas simples. Imagine que assim que uma criança nasce, os pais, tios e avós juntam 1.000 euros para começar uma poupança. Depois, todos os meses, transferem 50 euros para uma conta até o jovem completar 20 anos. No total, terão sido aplicados 13.000 euros (600 euros por ano).
Se esse dinheiro estiver parado, o valor ao fim de 20 anos será exatamente o mesmo: 13.000 euros.
Mas se for aplicado num produto com rendimento médio de 2% ao ano, a poupança sobe para 16.255 euros.
Num PPR com capital garantido e rentabilidade de 3%, o montante chega a 18.276 euros.
Com um fundo PPR equilibrado, com rendimento médio de 5%, a poupança pode atingir 23.349 euros.
E, se os pais optarem por assumir um risco maior, investindo num fundo PPR com 100% de ações (8%/ano), o valor acumulado pode chegar a 34.574 euros.
Num ETF diversificado como o S&P 500, cuja média histórica ronda os 10% ao ano, o resultado poderia ultrapassar os 45 mil euros ao fim de 20 anos.
Claro que nenhum rendimento passado garante resultados futuros. Mas os dados históricos mostram o poder do tempo e dos juros compostos.
E se, em vez de 50 euros por mês, o investimento fosse de 100 euros, o montante final duplicava para cerca de 84 mil euros.
Com um total de 25 mil euros poupados, o ganho seria de quase 60 mil euros em mais-valias — uma diferença brutal apenas pela forma como o dinheiro foi aplicado.
O erro fiscal que pode custar milhares de euros
Mas há um detalhe que pode mudar tudo: a forma como o investimento é feito. Se os pais aplicarem o dinheiro no nome errado, podem acabar por dar uma parte significativa ao Estado no futuro.
E aqui entra a novidade que muitos desconhecem.
Se o investimento for feito em nome dos pais ou dos avós e, mais tarde, for doado em vida aos filhos ou netos, praticamente não se paga imposto sobre as mais-valias acumuladas. Se o investimento for resgatado para entregar o dinheiro, então aplica-se o IRS sobre os lucros obtidos.
Um exemplo: quem investiu durante 20 anos e acumulou um ganho de 60 mil euros teria de pagar cerca de 11.843 euros em IRS (à taxa de 19,6%) se resgatasse o dinheiro para oferecer ao filho. Mas, se doar diretamente as ações, os fundos ou os ETFs (sem os resgatar), não paga nada de imposto.
A lei prevê ainda que, para o cálculo futuro das mais-valias, o valor de referência seja o da cotação dois anos antes da doação (artigo 45.º do Código do IRS). Esta regra anti-abuso foi criada para evitar manipulações, mas, na prática, significa que 18 anos de ganhos podem ser perdoados (em 20). Se aguentar os seus investimentos até aos doar aos 30 anos, o "perdão" será de 28 anos e assim sucessivamente. Ou seja, o filho ou neto só pagará imposto sobre a valorização que ocorrer a partir dos dois anos anteriores à data da doação.
Na prática, se o mercado estiver em máximos históricos, o doador pode planear o momento ideal para formalizar a transferência dois anos depois, maximizando a eficiência fiscal. Não é uma manobra ilegal — é simplesmente planeamento financeiro inteligente, dentro da lei.
Atenção aos PPRs e fundos de pensões
No caso dos PPRs e fundos de pensões, a situação é diferente e ainda pouco clara. Algumas instituições financeiras permitem a transferência de titularidade entre pais e filhos, mas a maioria não o faz, por falta de enquadramento sobre os benefícios fiscais associados. Enquanto a Autoridade Tributária não clarificar esta matéria, cada entidade decide internamente se aceita ou não este tipo de operação.
Nem todas as instituições aceitam doações de carteiras
Nem todos os bancos ou corretoras permitem a doação de carteiras de investimento. Por isso, se está a pensar investir para os seus filhos ou netos, é fundamental escolher logo à partida uma instituição que aceite esta operação.
Segundo a Caixa Geral de Depósitos, é possível transferir gratuitamente a titularidade de valores mobiliários e investimentos com o motivo “Doação”, desde que ambas as contas sejam da CGD.
Fora do universo bancário, a Optimize Investment Partners também aceita transmissões de carteiras e PPRs, mas com condições específicas.
Já gestoras como a Stoik e a Casa de Investimentos decidiram não aceitar este tipo de transferência nos PPR, precisamente por considerarem que a lei ainda é ambígua.
Entre as corretoras internacionais, a Trade Republic não permite doações de carteiras de investimento por enquanto, mas pondera vir a fazê-lo no futuro.
Esta lista não é exaustiva (não obtive respostas de todos os contactos de que fiz) e pode mudar ao longo do tempo. O essencial é confirmar previamente junto do banco, corretora ou gestora - que lhe interessa usar para os seus investimentos a pensar nos filhos ou netos - se aceitam a doação de carteiras. Assim evita surpresas fiscais e garante que o investimento é feito de forma eficiente desde o início.
Como se faz uma doação de valores mobiliários
Doar uma carteira de ações ou fundos é um processo relativamente simples, desde que o intermediário financeiro o permita. É necessário formalizar a operação por escrito, indicando o motivo “doação” e a relação entre as partes.
Entre familiares diretos — pais, filhos ou avós — não há imposto de selo.
O prazo médio de conclusão varia de acordo com a instituição, mas tem três meses após a operação de doação para informar a sua Repartição de Finanças. Basta uma Declaração (normalmente basta levar o formulário do banco a confirmar a transferência de titularidade). É liquidado o imposto, mas virá a zeros. Não se preocupe.
Planear é multiplicar
Preparar o futuro dos filhos é uma das maiores preocupações dos pais. Poupar é importante, mas investir com conhecimento e inteligência é o que pode realmente multiplicar o dinheiro.
A forma como se investe — e em nome de quem — pode fazer toda a diferença entre perder milhares de euros em impostos ou manter o valor dentro da família.
Planeamento financeiro não é apenas poupar e guardar — é decidir com antecedência para que o dinheiro se multiplique amanhã. Com o menor esforço possível.